Topo

Soltos

Meu momento Julia Roberts no casamento do MEU melhor amigo

Soltos S.A.

22/04/2020 04h00

Sabe aqueles crushes "amizade colorida", com quem já rolou um romance, a vida levou cada um pra um lado, ficou um carinho gigante e aquele pensamento "não era o momento… mas uma hora a vida vai colocar a gente junto de novo…" ?

Parece que a gente guarda esses amores numa espécie de caixa de primeiros socorros sentimental. Daquelas que vêm com o aviso: quebre o vidro e acione essa paixonite em caso de desilusões crônicas ou assim que receber o sinal divino de que é o momento para vocês se reconectarem. A questão é: quando o nosso alarme de incêndio emocional tocar, ainda teremos tempo de resgatar a tal história?

Eu vivi um desses amores desencontrados cheios de clichês de um bom roteiro de filme hollywoodiano. Só não tinha sacado ainda se ele ia se enquadrar num melodrama, numa comédia rasgada ou no sonhado romance com reviravoltas e final feliz.

Veja Também

A DUPLA DO CORAÇÃO PARTIDO

A gente se conheceu no começo da faculdade. Os dois tinham acabado de levar pés na bunda homéricos e, numa tentativa de sobreviver à fossa, substituímos todo o tempo em que estaríamos com os "falecidos" nos fazendo companhia e nos dando colo. Nossos programas incluíam sessões de filmes cabeça, com personagens tão perdidos quanto a gente, trocas de poemas melancólicos de Fernando Pessoa e desabafos sobre nossos corações partidos ao som de "Linger" do The Cramberries no repeat. De repente os abraços pra consolar um ao outro foram virando cafunés, carinhos mais prolongados… já viram tudo né? A gente começou a ficar, mas vira e mexe eu ouvia "acho melhor a gente não ficar mais, ainda tô com o coração bagunçado". Passávamos uma semana distantes, voltávamos às ficadas e carinhos mas, passados alguns dias de romance melancólico, o sinal de ressalva vinha de novo e a gente se separava de novo. Eu tava cada vez mais envolvida, mas me sentia no banco do passageiro de alguém aprendendo a dirigir: um eterno acelera e breca onde, a cada brecada, eu quebrava mais um pouco a cara. Será que aquilo era um sinal de que não era o momento certo?

FALTA DE FOCO E FALTA DE PAPO, MUITO PRAZER

Já que eu estava sendo cozinhada, resolvi aproveitar a falta de definições pra dar uma aproveitada na vida de solteira recém-universitária. No bom português: fui periguetar por aí. No começo acho que era mais pra fazer ciúmes pra ele mesmo, mas obviamente a estratégia não funcionou e eu acabei estragando tudo (pelo menos naquele momento). Resultado: egos e corações feridos e cada um foi viver a solteirice no seu canto. "Tudo bem…é começo da faculdade… ainda não é a hora certa. Uma hora a gente se reencontra no amor" , pensava eu. 

AGORA NÃO É O MOMENTO. MAS QUANDO É?

O tempo foi passando e a gente continuou bem amigos e fazia quase tudo juntos: madrugadas de trabalho em grupo, porres em viagens, conversas filosóficas, as tais sessões de filme de personagens deprês… E sempre rolavam um olhares mais fundos, um abraço mais apertado, uns sorrisos cúmplices… Minha cabeça dizia "ainda tem alguma coisa ai, uma hora as coisas vão se encaixar". Mas apesar das tais sensações de que a amizade podia ser mais do que colorida, eu nunca falava nada pois, logo depois do tal mal entendido da Jurupinga ele ficou com uma outra fulana da faculdade e começou a namorar. Achei que fosse ser um namorico de alguns meses. Aproveitei pra beijar um monte de gente e acabei namorando também. Era uma fase, tudo bem, "ainda éramos muito jovens" pensava… "deixa que uma hora os dois ficam solteiros de novo ao mesmo tempo e eu falo pra ele o quanto ele é especial". Na minha cabeça o roteiro do filme tava fechado. Com direito a final feliz. Mas o tal namoro dele que achei que ia durar meses, na verdade durou anos. Enquanto isso eu namorei, terminei, voltei, terminei de novo, periguetei, namorei mais um pouquinho, fiquei solteira cética… E a cada quebrada de cara eu colocava "Linger" pra tocar no carro, chorava um pouquinho e pensava que aquela era a história que eu queria viver. Mas não dava. Por que enquanto minha vida amorosa era essa montanha russa do Playcerter prestes a falir, a dele estava pleníssima, na pura calma de um veleiro que passeia pelos mares gregos. Ele e a tal menina seguiam engatados há anos. Algo não estava saindo como o planejado…

EIS QUE A VIDA DÁ UNS EMPURRÕEZINHOS

A gente já estava há quase dois anos sem se ver quando eu recebo uma proposta para trabalhar na mesma empresa que ele. De repente aquele cara que tava na gaveta do "eterno talvez" passou a ser o cara com quem eu pegava uma hora de trânsito na marginal pra ir pra reunião no cliente aprovar campanha e dividia pizza fria e desabafos nas noites varadas de trabalho. Seria um sinal da vida nos reaproximando?

Já buscando os tais sentidos cósmicos, ganho outro presente do acaso: apareceu um churrasco de reencontro da classe da faculdade. Ia no carro de uma amiga que, na última hora, desistiu de ir e me ligou dizendo "O Caio vai te buscar, você vai com ele". Entrei no carro dele e tava tocando "Linger". Seria aquele um sinal? A gente sorriu, se abraçou apertado e ele me disse que tinha uma coisa pra contar. "Pronto, hoje ele vai me contar que terminou o namoro e que era chegada até o momento da gente ficar juntos."  pensei. Naquele momento decidi que iria finalmente falar pra ele o quanto ele sempre tinha sido especial pra mim. Ia falar assim que chegássemos no sítio do churrasco, sentadinhos no gramado, com uma taça de vinho sob a luz do luar. (Não é a toa que virei roteirista). Chegamos. Sentamos. Eu sorri. Por pouco tempo. Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele me contou que ia casar. MInha cara deve ter ficado congelada em preto e branco tipo final de Avenida Brasil. Como proceder? 

DESPERTANDO A JULIA ROBERTS QUE EXISTE DENTRO DE MIM

Uma infinidade de romances hollywoodianos e livros de autoajuda nos dizem que sempre há tempo de mudar o rumo da vida, de correr atrás do seu amor e de criar um final feliz. Será mesmo? O cara já tava construindo o tal "final feliz" com outra pessoa, fazia sentido eu abrir meu coração naquele momento? Ia mudar alguma coisa ou seria apenas uma fantasia romântica? A vida não ajudou a simplificar as coisas: em meio a este turbilhão de emoções, a tal empresa em que a gente trabalhava mandou nós dois para um workshop de uma semana no escritório de Nova Iorque. Ou seja, se eu tivesse coragem de me declarar, poderia fazer no mais puro cenário de filme e ainda fechar o dia num passeio romântico e cafona naquelas carruagens do Central Park.

Viajamos juntos e a cada final de expediente eu pensava "é hoje, vou falar… não quero interferir na vida dele, só abrir meu coração". A gente jantava com o time de trabalho, ia ficando para mais um drink, mais um drink, mais um drink… mas mesmo embreagada eu amarelava e pensava "amanhã eu falo". E assim passou-se uma semana. Última noite. Trabalho concluído com louvor, muitos brindes pagos pelo cartão corporativo, algumas trocas de olhares. Ele perguntou se podíamos rachar o táxi pro hotel. Eu disse que sim. Entramos no carro e o que estava tocando? "Linger". A gente se olhou e sorriu. Meus olhos encheram de água, mas eu olhei pela janela. "Vou falar agora, vou falar agora….". Chegamos no hotel. O carro parou. O tempo parou. E eu também. Dei um abraço apertado e desejei boa noite. Quando entrei no quarto obviamente desabei de chorar e me endividei comendo todos os chocolates caríssimos no mini bar. Com os olhos borrados e os dedos melados de Twix me olhei no espelho e me vi uma versão tupiniquim da Julia Roberts no "Casamento do Meu Melhor Amigo".

https://www.youtube.com/watch?v=9Zu622XjDuA

Essa é uma das minhas cenas preferidas da vida e apesar de não estar tão charmosa, nem rodeada por um cenário tão inspirador pra dar aquele golpe de misericórdia no coração, me senti igualmente paralisada e com aquela sensação "por que deixei isso tudo escapar?!… estúpida!" Perdi o timming. Perdi a história. E tem horas onde a gente tem que aceitar a derrota mesmo e jogar fora a tal caixinha de primeiros socorros sentimental pra liberar o outro (e a gente mesmo) pra ser feliz. É frustrante mas é o melhor a se fazer. Considerando que os divórcios cresceram 160% nos últimos 10 anos, existe sempre a possibilidade louca de colocar esse tal amor mal resolvido na gaveta do "eterno talvez" mas se os timmings já estavam errados com a gente solteiro, imagina agora com o cara casando… Por mais que se tratasse de alguém especial, a sororidade e o pouco de bom senso que existem em mim me diziam que desejar que ele entrasse pra tal estatística dos divorciados não era algo muito saudável ou legal para se fazer. 

O MEU "FINAL FELIZ" A LA JULIA ROBERTS

Chegou o dia do casamento. Enquanto me produzia como não fazia há tempos (lá fui em me endividar no combo cabelo e make matadores e vestido bafo), o meu lado menos equilibrado até pensava: Será que dá pra fazer a louca que se levanta na igreja quando o padre pergunta "se alguém é contra esse casamento fale agora ou cale-se para sempre" e grita: não se casem, eu amo esse homem!? Achei melhor não. Ao invés disso, levei um moço lindo com quem estava saindo como meu acompanhante na festa e, quando mini chorei na cerimônia, disse para ele que eu amava esses rituais de celebração do amor. Dancei horrores, bebi horrores e, ao chegar a hora do buquê, achei que não precisava passar pela humilhação de me digladiar com as solteiras desesperadas por aquelas flores. Sentei na minha mesa plena e pedi mais uma taça de prossecco. Para a minha surpresa não é que a noiva arremessou o buquê tão forte que ele atravessou a pista e caiu exatamente na minha mesa – onde só eu estava sentada? Na hora as fotógrafas e a mãe do noivo vieram correndo entusiasmadas na minha direção: Que linda! Que sorte! Isso é um sinal! Vem tirar uma foto no meio do casal feliz!

Seria isso um sinal, meu deus?! E o que esse sinal estaria querendo dizer? Virei mais uma taça de prosseco. O que Julia Roberts faria no meu lugar? E vocês?

 

Se você quer saber como sobreviver à solteirice em tempos de likes para além dos dias de folia, segue a gente no YouTube e no Instagram. Toda semana a gente entrevista solteiros, especialistas e divide nossos aprendizados e teorias. Segunda e quarta estamos por aqui! Manda histórias, questões, dilemas que a gente transforma em pauta!…

Sobre os autores

Piranhas românticas, André e Carol são experts em solteirice e partidários do afeto mesmo nas relações casuais. Carol está solteira há 6 anos e já não troca a aula de hot yoga por um date mais ou menos. André está solto monogâmico mas já se esbaldou muito na vida de contatinhos. Publicitários e roteiristas, trabalham com comportamento e conteúdo há anos e decidiram se aprofundar no tema que é assunto da manicure à terapia: como se relacionar hoje em dia. Comunicadores, puxam assunto até com o poste e são formados como psicólogos de boteco. Há um ano eles conversam com todo tipo de solteiros e especialistas no soltos s.a. um canal de youtube, instagram e, agora blog, pra explorar as dores e delícias dessa vida solta. Ninguém entende de solteirice como eles: já foram convidados pra falar na Casa TPM, na GNT e no podcasts Mamilos e Sexoterapia (aqui em Universa).

Sobre o blog

Um espaço para trocar estratégias para sobreviver à solteirice e aos relacionamentos em tempos de likes. Quando vale ter uma DR e quando podemos deixar morrer no silêncio? O que significa esse emoji? Assistir stories significa? Experts em solteirice e ótimos psicólogos de boteco, André e Carol compartilham dilemas reais de solteiros e mapeiam possíveis caminhos para não perder a sanidade mental nessa era de contatinhos.