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Você já quis largar tudo e fugir com um amor antigo? Assista Run, da HBO

Soltos S.A.

11/06/2020 04h00

fonte: HBO divulgação

Essa semana devorei a nova série da HBO: RUN. Além dela ser produzida pela maravilhosa Phoebe Waller-Bridge (que fez Fleabag, outra série mara que vale conferir), a premissa de RUN tocou fundo numa pira minha: Largar tudo e fugir com um amor antigo. Você já teve essa vontade?

Na série, Billy e Ruby foram namorados de escola e fizeram um pacto: se um dos dois enviar uma mensagem dizendo "corra" e o outro responder "corra", eles devem jogar tudo pro alto e correr rumo à Grand Central Station pra embarcarem juntos numa viagem de trem de NY a LA. Uma semana de puro amor, nostalgia e permissividade. A troca das tais mensagens acontece 17 anos depois do combinado, mas as quase duas décadas sem se ver, não parecem ser empecilho para que eles imediatamente deixem filhos, família Doriana e carreira de sucesso e saiam correndo em direção ao gichê da estação de trem. Só de assistir o trailer já fiquei pensando nos meus Billys da adolescência e confesso que meu dedo coçou pra mandar o trailer pra alguns deles (vai que rola um ânimo misturado com loucura pós quarentênica né?). Enquanto colocava meu celular no modo avião para evitar a tentação de metralhar mensagens pro meu túnel do tempo sentimental,, comecei a me perguntar: esse siricotico que dá na gente é pra correr pra onde? Fui pedir um help para um psicanalista.

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FUGA 1 : RUMO À TERRA DO NUNCA

Conversando com o psicanalista Leandro dos Santos, que coordena o grupo de estudos Amor romântico e o ego: sofrência inevitável no nosso canal soltos s.a., descobri que eu não sou a única que tem essa fantasia escapista. Só neste mês três pacientes dele tinham largado casamento, família e planos de aposentadoria para se aventurarem no resgate de paixões de adolescência. 

Assistindo aquele Billy ruivo já comecei a pensar no João Pedro, um cara meio loiro meio ruivo com quem tive uma das minhas primeiras paixões intensas. Sabe aquele cara que te olha fundo nos olhos, que toca Dave Matthews no violão pra você no gramado do sítio dos avós dele, que faz noites de pique nique surpresa no mesmo gramado, regadas a vinho deliciosamente barato e aquele sexo entregue de quem tá descobrindo o corpo do outro junto? Esse era o João Pedro. Quantas madrugadas a gente não passou filosofando sobre a vida e imaginando futuros incríveis juntos. Nas nossas fantasias a gente ia fazer diferença no mundo, ter trabalhos incríveis, conversar sobre filosofia e política internacional e de tempos em tempos, viajar pra lugares remotos pra curtirmos nosso amor a sós.

Acho que o João Pedro foi um dos únicos caras onde rolou aquela idealização de que iria durar pra sempre, de que tudo fazia sentido….  A gente cresce e vai ficando solteira cética – eu pelo menos, ando bem mais safa e menos idealista. Mas parece que rola uma nostalgia daquela entrega inocente tida como tão certa. Voltar para essas histórias é uma certa tentativa de resgatar essa intensidade do amor, essa ilusão de completude (e no meu caso, as transas no gramado ao som de Dave Matthews) 

Síndrome de Peter Pan, temos também!

A loucura é perceber que minha vontade não era só correr atrás do João Pedro. Resgatar o João Pedro é também resgatar aquela Carol de 19 anos. Ou seja, como se não bastasse idealizar o crush, quando entramos nessa corrida rumo aos amores do passado, estamos também idealizando a nós mesmos. Dá vontade de reencontrar aquela minha versão idealista, sempre de peito aberto para o amor, muito  mais preocupada em fazer diferença no mundo do que pagar boletos. (estamos duplicando o potencial de frustração, pelo visto)

E ainda rola a ilusão do acerto de contas com o passado

Sabe aquelas frases batidas de autoajuda tipo "eu sou a dona do meu destino" ou "eu escrevo a minha história"? É nessa pira onipotente que a gente começa entrar quando busca nossos João Pedros ou Billys. É como se gritássemos para o universo: "querido, meu amor é mais forte do que seus obstáculos! Vou mudar o rumo da história, me aguarde!" O cara entrou na faculdade e quis pegar geral ao invés de ir pro sitio com você? vamos mudar isso! A camisinha estourou, você surtou achando que tava grávida e descobriu que o cara ia tirar o corpo fora? vamos mudar isso! Em um rompante de raiva você traiu o cara com um amigo dele e cagou toda a relação? Vamos mudar isso! Essa vontade de reverter o cenário se torna uma espécie de ato heróico, que infelizmente, tem poucas chances de se concretizar. O que aconteceu já aconteceu e é impossível mudar o primeiro ato desse filme.

"As pessoas se reencontram em grupos de escola nas redes sociais e acabam tentando reeditar os primeiros amores da vida – que são idealizados, claro. Hoje olhando pra trás, parecem emocionantes e excitantes mas na época foram angustiantes" comenta Leandro, já trazendo um choque de realidade. Memória seletiva, né minha filha?

FUGA 2:  "ME LIBERTEI DAQUELA VIDA VULGAR, QUE EU LEVAVA JUNTO A VOCÊ"

Uma outra hipótese é que a gente esteja menos emocionada com o João Pedro e com a Carol de 19 anos e mais decepcionada com a Carol de 36. Ou seja, essa corrida na verdade é uma grande fuga da nossa vida real. Você já se pegou olhando ao redor e pensando "que merda eu fiz com a minha vida?". Aquela sensação de que seu trabalho não te estimula – e mal paga suas contas – de que seus últimos amores foram medíocres e que você não tá indo pra lugar nenhum? Bem-vinda ao time! E se esses pensamentos já rolavam em condições normais de temperatura e pressão, imagina agora, em quarentena.

O isolamento tá esfregando a realidade na nossa cara, nos fazendo rever tudo e os amores entram no bolo. As solteiras, como eu, tão explodindo de carência e amargando a falta de perspectivas. As casadas e juntadas, tão se dando conta de que a convivência intensa em espaços pequenos transformou muitos ninhos de amor em panelas de pressão. Ou seja, não tá fácil pra ninguém. Fugir buscando João Pedros e Billys parece uma saída bem plausível e viável (sim, estamos descoladas da realidade…. mas nessa montanha russa emocional, vale a ilusão)

Nesse caso, será que a gente quer mudar tudo mesmo, jogar tudo pro alto e mandar um beijo pro trabalho, pras amigas, pra casa na praia, ou será que só estamos cansados e queremos uma espécie de pausa para o recreio com os amores adolescentes? Seria justo com o outro usá-lo um pouquinho para podermos voltar a encarar um casamento morno ou um chefe sacal?

NOS DOIS CASOS, O PERIGO DO CEP INVÁLIDO

A dura realidade é que, muitas vezes reencontramos as tais pessoas do passado e, quando isso se concretiza, a gente percebe que não era bem aquilo que estávamos procurando. No fundo o apego era muito mais às histórias que a gente conta da gente mesmo ou as fantasias de um futuro mágico e feliz, do que as histórias que realmente aconteceram. "As pessoas acreditam que com 40 anos vão reeditar amores de quando tinham 15 anos. A possibilidade de isso dar certo é um tanto quanto remota não só porque a pessoa não é mais a mesma porque o objeto dessa pulsão também não existe". Ou seja, a tal pessoa idealizada do passado não existia nem lá no passado, quanto mais agora

SERÁ QUE É MELHOR CORRER OU DEIXAR NO ETERNO TALVEZ?

 O enredo da série me remeteu a um outro filme que eu amo: Apenas uma noite. Nele Joanna já casada, reencontra uma paixão do passado e o cara pergunta por que, se a conexão entre os dois é tão forte, ela nunca quis tentar resgatar a relação. Ela responde "Talvez eu nunca quis que isso mudasse. tudo na minha vida mudou e a maior parte das coisas não é como eu esperava. Você não.  Na maioria das noites quando eu não consigo dormir eu continuo lembrando de você e preciso disso pra continuar os meus dias". Será que Joanna estava sendo mais esperta que Billy e Ruby?

Tirei meu celular do modo avião, stalkeei de leve o João Pedro  e fiz uma pastinha com fotos antigas nossas. Acho que sou mais Joanna e propositalmente alimento essas fantasias escapistas. Alguns goles de ilusão são necessários pra eu poder seguir na solteirice muitas vezes mundo cão desses anos de vida adulta. Quando me der vontade de teclar RUN, acho que vou correr para a tal pastinha e não pra eles. Deixa eu me distrair um pouco com as realidades inventadas é mais seguro.

 

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Sobre os autores

Piranhas românticas, André e Carol são experts em solteirice e partidários do afeto mesmo nas relações casuais. Carol está solteira há 6 anos e já não troca a aula de hot yoga por um date mais ou menos. André está solto monogâmico mas já se esbaldou muito na vida de contatinhos. Publicitários e roteiristas, trabalham com comportamento e conteúdo há anos e decidiram se aprofundar no tema que é assunto da manicure à terapia: como se relacionar hoje em dia. Comunicadores, puxam assunto até com o poste e são formados como psicólogos de boteco. Há um ano eles conversam com todo tipo de solteiros e especialistas no soltos s.a. um canal de youtube, instagram e, agora blog, pra explorar as dores e delícias dessa vida solta. Ninguém entende de solteirice como eles: já foram convidados pra falar na Casa TPM, na GNT e no podcasts Mamilos e Sexoterapia (aqui em Universa).

Sobre o blog

Um espaço para trocar estratégias para sobreviver à solteirice e aos relacionamentos em tempos de likes. Quando vale ter uma DR e quando podemos deixar morrer no silêncio? O que significa esse emoji? Assistir stories significa? Experts em solteirice e ótimos psicólogos de boteco, André e Carol compartilham dilemas reais de solteiros e mapeiam possíveis caminhos para não perder a sanidade mental nessa era de contatinhos.