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Autoviolência: 80% das mulheres já forçaram a barra no sexo para agradar

Soltos S.A.

17/08/2020 04h00

Foto de Anthony Tran via Unsplash

Quantas vezes você já transou com alguém de um jeito que te machucou porque ficou sem jeito de pedir para o outro parar? Ou não estava tão a fim, mas acabou topando porque as coisas já tinham começado e você gostava do cara? Esta semana, durante uma live sobre prazer, recebemos alguns relatos que fizeram eu (Carol) pensar o quanto não estamos nos dando conta de que estamos nos violentando nas relações sexuais.

"Eu saía com um cara que gostava muito e a gente sempre transava numa posição que me machucava, mas ele falava que era a posição que mais dava prazer pra ele. Então, nunca falei nada porque sabia que era assim que ele gostava" nos escreveu uma seguidora. "Sei que faz parte transar com frequência, então transo mesmo sem vontade" confessou outra Solta enquanto defendia a assiduidade da relação sexual como uma forma de tentar "fisgar o homem" e transformar um rolo em namoro. E ainda recebemos um terceiro relato: "tenho medo de falar como eu gosto e ofender os caras".

Foram tantas histórias similares, que resolvemos fazer uma pesquisa quantitativa. O resultado: 80% da nossa base confessou que já passou por uma transa incômoda e ficou sem graça de pedir para parar. Ou seja, esse desconforto está mais do que presente na vida sexual das mulheres que se relacionam com homens e de alguma forma tem sido normalizado.

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INVALIDANDO O DIREITO DO PRÓPRIO PRAZER

Quando uma mulher fala que tem medo de dizer o que gosta ou não na cama pois tem medo de ofender o parceiro, fica claro que, na cabeça dela, seu direito ao prazer é menor do que o do cara. Em uma sociedade onde o pornô é nossa maior fonte de educação sexual, acabamos reproduzindo a falsa ideia de que os homens são os que sabem tudo de cama e conduzirão a transa, enquanto as mulheres devem ser hábeis o suficiente para topar as propostas.

É como se avisar para o cara que não tá legal fosse significar que você está dizendo que ele não é bom de cama ou que você não é boa de cama, afinal de contas não está encarando a aventura proposta. Tal comportamento é muito preocupante e está normalizado porque muitas de nós, mulheres, ainda estamos presas na necessidade de agradar. Isso é uma autoviolência. Fazer sexo numa posição que machuca a gente pra agradar o outro, é se violentar.

E essa pressão pela performance tende a ser maior ainda nos encontros casuais. Existe uma falsa sensação de que é preciso se provar uma ótima "mulher transante" para segurar o pretendente. Caso contrário, ele irá procurar outras mulheres mais desenvoltas e libidinosas. A esta pressão interna se soma à falta de intimidade com o peguete, que também inibe muitas mulheres de se abrirem em relação ao que gostam ou não na cama. É como se só depois de já termos garantido um laço de afeto, tivéssemos o direito de colocar nossas condições sob os lençóis. Isso não só faz com que topemos transas extremamente incômodas, como também coloca uma pressão gigante no homem: como se ele tivesse que saber sempre quais são as melhores posições. É claro que tem muito homem autocentrado, mas também existe uma série deles que tá querendo jogar junto e adoraria algumas dicas.

Entrevistamos a psicóloga Arielle Sagrillo que especializou seu estudo na masculinidade tóxica, e ela conta que muitas vezes o homem performa uma transa mais agressiva porque quer impressionar e nem sempre está tendo prazer com essa dinâmica. Ela atendeu um rapaz que transava desta forma há meses com uma menina que saía e assim que a mulher tomou coragem pra dizer que preferia algo mais carinhoso, o cara se sentiu libertado e pode dizer que também não gostava daquela pegada mais bruta. Ou seja, não estava bom pra nenhum dos dois, mas se ninguém falar fica difícil ajustar os ponteiros.

SEXO COMO MOEDA DE TROCA PRA RELAÇÃO AFETIVA

"Já topei transar com o cara porque ele era bonzinho e achei que precisava tentar mesmo estando sem vontade" nos escreveu uma outra seguidora. Na história dela não tinha rolado nenhuma química no beijo e nos dates anteriores, mas ela foi estimulada pelas amigas a transar com o cara porque ele parecia ser "um bom partido". Obviamente a transa foi ruim e ela terminou a noite com um enorme vazio interno e mais angustiada do que em seus momentos sem paquera nenhum.

Histórias como essa e como a que contamos no começo do texto – da mulher que transa sem vontade só para segurar o cara – me fazem pensar o quanto estamos olhando o sexo como um pedágio que devemos pagar para viajar em uma estrada linda de tijolos amarelos rumo a uma conchinha fixa com Netflix. Se o sexo pode ser um espaço de prazer, conexão e conhecimento, por que tantas vezes ele acaba sendo vivenciado como um "mal necessário"?  Isso também é autoviolência.

FAZ PARTE DO PACOTE DA BOA MULHER

A gente cresce ouvindo que os homens são sempre fogosos e a gente tem que "estar lá",  senão eles vão procurar outra. Parece que aprendemos que esta obrigação conjugal fala mais alto do que nossos desejos e, assim, vamos normalizando situações incômodas porque achamos que elas fazem parte do pacote. Quantas vezes você já não falou que estava cansada ou até dormindo e foi acordada com o cara já roçando em você? E, mesmo sem querer, você acabou transando com aquele pensamento de "ah, homem é assim né? Tava com tesão"… 

E esse pensamento não vem à toa. Na cultura a gente aprendeu que era assim: até 2003, o Código Penal brasileiro tratava como "débito conjugal" a recusa feminina na hora do sexo e motivo para uma separação por justa causa. A lei já faz a gente introjetar a ideia de que só pelo fato de você estar numa relação é obrigada a atender às necessidades sexuais do seu parceiro. Fazer sem vontade pra não frustar o outro é se violentar

TODO MUNDO TEM DIREITO DE MUDAR DE IDEIA

Não é só por que a gente começou querendo, que os caras podem fazer o que quiserem. Em geral quando pensamos na palavra violência, vem o imaginário de algo extremamente agressivo, forçado e não-consensual. Mas a verdade é que a violência pode acontecer em qualquer momento e que seguir num sexo sem vontade ou que está te machucando é violência sim.

Sabe quando você vai pra casa de alguém depois de uma noitada e de repente vê que está muito bêbada e nem tá mais com vontade de transar, mas acaba transando porque já tinha topado ir até lá? Se você não quer mais, é só avisar o coleguinha, chamar o Uber e pronto. Sabe aquelas situações em que a pessoa te segura com força demais e não tá legal ou quando rola aquela bate estaca porque o cara quer chegar aos finalmentes e dane-se você… se não tiver bom e a gente se calar, estamos nos violentando.

Algumas  mulheres nos escreveram dizendo que já transaram mesmo sem querer porque estavam no motel e o cara tinha pagado a conta ou porque tinham sido levadas pra jantar. Mais uma vez: sexo não é moeda de troca. Ninguém tem que transar porque ganhou um jantar, uma viagem ou um presente.

Nós mulheres precisamos entender que temos o direito ao prazer e que nossas vontades na cama são tão importantes quanto às dos nossos parceiros.  E quanto antes a gente parar de se violentar no sexo, maiores as chances de termos encontros prazerosos e verdadeiros, antes de tudo, com nós mesmas.

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Sobre os autores

Piranhas românticas, André e Carol são experts em solteirice e partidários do afeto mesmo nas relações casuais. Carol está solteira há 6 anos e já não troca a aula de hot yoga por um date mais ou menos. André está solto monogâmico mas já se esbaldou muito na vida de contatinhos. Publicitários e roteiristas, trabalham com comportamento e conteúdo há anos e decidiram se aprofundar no tema que é assunto da manicure à terapia: como se relacionar hoje em dia. Comunicadores, puxam assunto até com o poste e são formados como psicólogos de boteco. Há um ano eles conversam com todo tipo de solteiros e especialistas no soltos s.a. um canal de youtube, instagram e, agora blog, pra explorar as dores e delícias dessa vida solta. Ninguém entende de solteirice como eles: já foram convidados pra falar na Casa TPM, na GNT e no podcasts Mamilos e Sexoterapia (aqui em Universa).

Sobre o blog

Um espaço para trocar estratégias para sobreviver à solteirice e aos relacionamentos em tempos de likes. Quando vale ter uma DR e quando podemos deixar morrer no silêncio? O que significa esse emoji? Assistir stories significa? Experts em solteirice e ótimos psicólogos de boteco, André e Carol compartilham dilemas reais de solteiros e mapeiam possíveis caminhos para não perder a sanidade mental nessa era de contatinhos.