"Mulher pra namorar": ideia machista ainda é alimentada também por mulheres
2020 e a gente ainda recebe uma chuva de mensagens no inbox dos soltos de mulheres empoderadas, desconstruídas, articuladas e feministas que se aventuram em atitudes mais pautadas pelo próprio prazer do que pelas "regras de etiqueta da boa moça" e acabam sofrendo retaliação das próprias amigas e de seus superegos.
Elas até se permitem micaretar no carnaval ou transar na primeira noite mas, após minutos de deleite libertino, rola um efeito rebote e, se as histórias amorosas não vão pra frente, surgem milhares de nóias que giram em torno de um estigma: elas não se portaram como "uma mulher pra namorar" e terão que bancar as consequências das minhas escolhas. Resolvi mergulhar no tema e é triste contar pra vocês que o machismo está mais presente em nós do que gostaríamos e talvez ele seja tão tóxico na gente quanto é nos caras.
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Chuva de dados pra gente perceber que o mundo não mudou tanto assim
Sondei o tema no @soltos_sa e descobri que 69% da nossa base ainda acha que existe esta divisão entre "mulher pra namorar" e "mulher pra pegar". É importante falar que 75% da nossa audiência é feminina, ou seja, isso vinha como um julgamento das próprias mulheres travestido em constatação.
Mas o que me assustou mais foi encontrar um estudo do Instituto Avon e do Data Popular feito com jovens de 16 a 24 anos do Brasil todo. O estudo é de 2014 mas ouvindo a nossa base e as tais amigas, me arrisco a dizer que talvez não tenhamos mudado o suficiente ao longo desses seis anos. Alguns dos números que me entristeceram foram: 34% das mulheres acreditam que as mulheres que tiveram relações com muitos homens não são para namorar; 68% acham errado mulher transar no primeiro encontro, 80% criticam mulheres que ficam bêbada em festas e 48% dos jovens acredita que é errado a mulher sair sozinha com os amigos, sem a companhia do marido, namorado ou "ficante".
Castração em nome de um ideal. Mas ideal pra quem?
Ouvindo os conselhos das tais amigas e os relatos da nossa base percebo como estamos retroalimentando um modelo que não nos faz feliz. 74% da nossa audiência feminina confessou que já deixou de fazer algo ou mudou alguma atitude por que estava querendo ser uma "mulher para namorar". As mudanças vão sempre na direção da construção desta imagem de mulher frágil, dependente, delicada, passiva e "de família e de respeito" (sinto que estou vendo um filme dos anos 40 enquanto escrevo… mas são relatos de mulheres potentes e questionadoras, olha a loucura!).
Não precisamos mais nos casar virgens, mas parece que a atividade sexual ainda tem que ser tratada com moderação pra garantir o passaporte de boa moça. Muitas das mulheres disseram que não transaram no 1o encontro mesmo estando com vontade ou que mentiram para menos o número de parceiros sexuais que já tinham tido. Outras pararam de sair com amigas vistas como mais "soltas" para não passarem a impressão errada e algumas até deixaram de sair sozinhas ou com amigas mesmo antes do romance engatar. "Parei de sair com umas amigas que eu gostava mas que tinham uma má fama para os homens" confessou uma solta. "Deixei de ficar com pessoas que queria mesmo não tendo nada sério com o cara para não correr o risco de ficar mal falada na minha cidade de interior" disse outra.
Recebemos relatos de meninas que pararam de falar palavrão, deixaram de expressar opiniões polêmicas para parecerem boazinhas, disseram que bebiam menos e até que arrumavam as coisas do seu então namorado para provar que seriam boas esposas. A questão é: quem pediu isso pra elas? Quem estimulou esse tipo de postura? Enquanto os caras estão vivendo a vida deles por aí, por que ainda decidimos nos moldar a esse ideal imaginado?
Terceirizando o problema
É claro que também existe o impulso de jogar a conta do machismo nas relações inteiramente para os caras. Entendo e concordo que ainda tem muito boy que se intimida com mulheres fortes e independentes e ainda escolhe as "belas recatadas e do lar" como suas barbies namoradas/esposas/donas de casa. Entrevistamos Fabio Manzoli, que coordena o projeto Masculinidade Saudável e ele nos confessou que durante a juventude ele (e grande parte de seus mentorandos), desejavam as mulheres mais livres mas namoravam com as "boazinhas". A própria psicanálise defende que grande parte dos homens faz a divisão entre putas e santas. "Inconscientemente os homens separam as mulheres que simbolizam o desejo, das que simbolizam a família e maternidade" afirma o psicanalista Leandro dos Santos. "Mas este processo tem se flexibilizado e se desconstruído com cada vez mais velocidade" atesta Leandro. Muitos homens já se mostram mais abertos e interessados em mulheres ativas e autoconfiantes e inclusive esperam poder sair do papel do macho alfa para poderem ser também vulneráveis. No entanto essa "flexibilização" da velha masculinidade nem sempre é reverberada nas próprias mulheres. A verdade é que reclamamos dos caras mas, muitas vezes, reproduzimos o mesmo machismo que criticamos.
Colocar a culpa no outro e na sociedade é fácil. Puxar a responsabilidade da mudança pra gente é necessário. E ela começa nos conselhos e olhares que temos umas pras outras. É preciso acreditar e fomentar a ideia de que essa escolha não terá consequências nefastas. Não somos menos "mulher pra namorar" por que nos divertimos.
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